quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Mas Lídia não enlaçou a sua mão.

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.

Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos

Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.

(Enlacemos as mãos.)

  Ricardo Reis


Mas Lídia não enlaçou a sua mão.

Ficou quieta com as suas mãos sobre o regaço.

Estava confortável assim e de momento não sentia que

devesse dar as mãos.

Talvez mais tarde, mas agora não lhe apetecia.

E assim ficaram, de mãos não enlaçadas a olhar o rio.





Não era que Lídia não quisesse.

Mas havia algo que a impedia de o fazer.

A mesma força interior que a impediria sempre de dar a mão.

Por vezes, ele gostava mesmo de poder dar as mãos,

não só á beirado rio,

mas caminhar,

especialmente caminhar pela vida de mãos dadas.

Mas não conseguia.



Talvez mais tarde, mas agora não conseguia.


Um bocado.

Vício

Ultimamente dou comigo a ouvir musica (indiana, ou turca ou árabe, world em geral!) durante todo um dia, noite e de novo dia!

Será vício?

Vício de uma música simpática e alegre.
Ou vício do conforto das suaves vibrações sonoras, que transmitem cor, calor, calma, carinho...
Embora não perceba uma palavra do que é dito, tenho a certeza que são coisas bonitas.
Aqui fica um ideia da musica (pimba de certeza) indiana ou turca ou árabe, world em geral!, que tenho andado a ouvir..










quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Contos, 3

Um dia pensei, vou sair à rua como vim ao mundo: nua.



Então, numa manha de Outono, ganhei coragem e foi assim:



Sai à rua. Eram 8 da manha, numa rua pouco movimentada da capital.

A primeira sensação foi de frio. Todo o meu corpo começou de súbito a tremer.

Com alguma dificuldade comecei a andar. As pedras da calçada tocavam nos meus pés frios como laminas afiadas. Decidi caminhar na estrada de alcatrão, pouco melhor.

Mas continuei, sem decidir onde iria, continuei a descer a rua.

A primeira vítima da minha nudez foi uma muito pouco simpática senhora. Especou a olhar e como se fosse o fim do mundo rogou pragas e apelou aos deuses e demónios!

Sorri e continuei.

Passando em frente do café lá da rua, recebi uma horda enfurecida de olhares masculinos. Embatiam sobretudo nos meus seios, mas rapidamente escorriam com a gravidade…

Mais uma vez sorri, e continuei.

Chegava agora ao terminal dos autocarros, sinonimo de movimento. Foi como se Moisés passasse. A multidão apartou-se e com esgares ora de horror ora de prazer, contemplavam o que julgava ser a minha insanidade.

Então, de um momento para o outro surgem as sirenes.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Tenho Tanto Sentimento


Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.

Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.

Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.




Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"