






Divagar, divagar é a palavra certa.
“
Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
“
Ricardo Reis
Ficou quieta com as suas mãos sobre o regaço.
Estava confortável assim e de momento não sentia que
devesse dar as mãos.
Talvez mais tarde, mas agora não lhe apetecia.
E assim ficaram, de mãos não enlaçadas a olhar o rio.
Mas havia algo que a impedia de o fazer.
A mesma força interior que a impediria sempre de dar a mão.
Por vezes, ele gostava mesmo de poder dar as mãos,
não só á beirado rio,
mas caminhar,
especialmente caminhar pela vida de mãos dadas.
Mas não conseguia.
Talvez mais tarde, mas agora não conseguia.
Um dia pensei, vou sair à rua como vim ao mundo: nua.
Então, numa manha de Outono, ganhei coragem e foi assim:
Sai à rua. Eram 8 da manha, numa rua pouco movimentada da capital.
A primeira sensação foi de frio. Todo o meu corpo começou de súbito a tremer.
Com alguma dificuldade comecei a andar. As pedras da calçada tocavam nos meus pés frios como laminas afiadas. Decidi caminhar na estrada de alcatrão, pouco melhor.
Mas continuei, sem decidir onde iria, continuei a descer a rua.
A primeira vítima da minha nudez foi uma muito pouco simpática senhora. Especou a olhar e como se fosse o fim do mundo rogou pragas e apelou aos deuses e demónios!
Sorri e continuei.
Passando em frente do café lá da rua, recebi uma horda enfurecida de olhares masculinos. Embatiam sobretudo nos meus seios, mas rapidamente escorriam com a gravidade…
Mais uma vez sorri, e continuei.
Chegava agora ao terminal dos autocarros, sinonimo de movimento. Foi como se Moisés passasse. A multidão apartou-se e com esgares ora de horror ora de prazer, contemplavam o que julgava ser a minha insanidade.
Então, de um momento para o outro surgem as sirenes.